sábado, 19 de novembro de 2011

Deixa Ela Entrar, de Tomas Alfredson




Por Léo Tavares
Baseado em livro homônimo do sueco John Ajvide Lindqvist, Deixe Ela Entrar poderia ter despertado o interesse de uma grande leva de espectadores que têm lotado as salas de cinema nos últimos cinco anos, caso fosse erroneamente catalogado como parte do nicho mais em voga dos filmes de terror atualmente: aqueles que tratam de vampiros e todo o imaginário que os envolve.
Apesar de ter sido lançado em meio a uma onda de filmes sobre vampiros, existem alguns fatores que imediatamente distanciam este trabalho da abordagem usual, e o primeiro deles já se coloca na impossibilidade de restringi-lo ao chamado filme de gênero, já que não se pode afirmar que estamos diante de uma produção de terror, ainda que muitos recursos provenientes desse tipo de narrativa sejam utilizados; tampouco que o foco central da história criada por Lindqvist a partir de seu próprio livro seja o tema dos vampiros, apresentado dentro da obra como uma metáfora para a marginalização daqueles que não se encaixam nas normas sociais e, portanto, acabam se distanciando gradativamente das relações humanas –permeadas sempre por códigos muito rígidos- em direção a uma perda da própria humanidade. Aqui a imortalidade dos vampiros aliada à incapacidade do convívio social se manifesta como uma morte imposta pela própria sociedade. Ou seja, no filme de Tomas Alfredson, como no livro de Lindqvist, o interesse narrativo está em explorar as relações humanas, as forças externas que as regulam e os sentimentos que se originam a partir de uma incompatibilidade com a norma. Utilizando-se do tema dos vampiros como ferramenta, o que Lindqvist faz é criar uma reflexão profunda sobre a solidão, o passar do tempo e a fugacidade das coisas que nos envolvem (a personagem Eli atravessa séculos e presencia o envelhecimento e a morte de todos que estão perto dela).
A respeito da questão da sexualidade, ela existe no filme primeiramente como elemento de tensão entre os personagens. Oskar é um adolescente tímido que vive com a mãe em um complexo residencial nos arredores de Estocolmo. Alfredson se preocupa em apresentar toda a densidade psicológica e as peculiaridades da personalidade de Oskar através de seu convívio social. O adolescente freqüenta uma escola onde não é aceito pelos colegas. Sua aparência frágil, de traços e trejeitos femininos e seu comportamento introspectivo são alvo de hostilização num microcosmo social em que já se denota uma série de exigências comportamentais. Oskar sofre calado uma violência psicológica que vai se transformando em violência física, até que conhece a personagem Eli, uma garota igualmente retraída que acaba de se mudar para o mesmo prédio, em quem encontra identificação e por quem começa a sentir-se atraído. A partir daí, o filme concentra-se em discussões a respeito das transformações da puberdade, das relações de poder dentro das camadas sociais e principalmente da sensação de inadequação dos personagens ao meio em que vivem, ao mesmo tempo em que encontram um no outro uma espécie de refúgio. Oskar vê em Eli uma possibilidade de aceitação, mas é aí que se inicia o conflito central: Eli não é nem menina, nem menino, e por isso sente a necessidade de romper um desenvolvimento afetivo que começa a transparecer nuances sexuais em sua relação com Oskar, impor um afastamento físico a fim de preservar seu relacionamento e continuar sendo aceita. À medida em que os laços entre Eli e Oskar se intensificam, fica clara a inevitabilidade de uma escolha por parte de Oskar: ajustar-se a uma sociedade repleta de normas, ou iniciar com Eli um caminho rumo à marginalização.
No filme de Tomas Alfredson, a sexualidade do menino Oskar é apontada sutilmente, abrindo caminho para a ambigüidade: ele parece não se importar quando Eli revela que não é uma menina, e demonstra querer um relacionamento amoroso, porém, a manifestação de seus desejos sexuais não chega a acontecer de forma definida; é como se Alfredson houvesse optado por apenas apontar possibilidades a respeito de uma sexualidade que ainda está se desenhando, e deixá-las em aberto. De certa forma, o mesmo acontece com a construção psicológica da personagem Eli, mas de forma ainda mais obscura: ela é na verdade um homem castrado na infância e em determinada cena, revela para Oskar sua face verdadeira. No desenrolar da narrativa, nunca temos certeza das intenções de Eli; não há manifestações de desejo sexual por parte dela, ainda que estejam evidentes suas necessidades afetivas.
O roteiro de Lindqvist lança mais questões do que as responde, mas toda a gama de subjetividades que permeiam os personagens culminam num mesmo ponto de interesse, em uma visão pessimista do mundo em que vivemos e seus arranjos: a rejeição social, com suas normas extremas e intransigentes lança alguns indivíduos à perenidade da solidão.

2 comentários:

  1. gostei do texto, leo. durante a sessão (que você não pode comparecer, infelizmente) todos compartilharam opiniões muito positivas. gostaria de ter uma memória melhor e te citar os temas que foram mais explorados no bate-papo, mas não consigo....sei que comentamos bastante sobre
    -enquadramentos que nos afundam no cotidiano da trama//
    -todos os personagens adultos numa escala muito menos importante do que o universo infantil
    -a trilha sonora calada

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  2. (apertei enter sem querer)

    -a sexualidade dos personagens principais
    -a palheta de cor no figurino
    -o branco em várias situaçoes (em objetos de cena e em figurino tambem)

    mas você tem toda a razão quando diz: "o roteiro de Lindqvist lança mais questões do que as responde". --pra mim é como tem que ser. se não existir o mínimo de mistério ou caminhos para serem seguidos não tem muita graça. trocando apenas *pintura* por *cinema*, cito richter: eu não acredito em um cinema absoluto, só é possível que haja aproximações, sempre tentativas e começos"

    deixe ela entrar é tudo menos "filme de terror de vampiro".

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